sábado, 3 de março de 2018

Artigo - Os únicos que não erram são os mortos, por Fernando Jorge*

Os meus comentários sobre os erros de português do nosso grande Machado de Assis, causaram enorme espanto em muitos dos meus prezados leitores. Continuo a receber dezenas de cartas por causa disso. E nas cartas esses leitores querem que eu aponte outros erros de português do romancista de A mão e a luva. Vou atendê-los.

Li estas palavras no livro Contos fluminenses, de Machado:
“Fazem hoje dez anos...”

Ora, o verbo fazer adquire a impessoalidade quando indica o tempo decorrido, o número de horas, dias, meses, anos. Ele não se reflexiona, pois o vocábulo que lhe vem posposto é objeto direto, nunca influi na concordância. Machado de Assis, portanto, cometeu um grave erro gramatical, perpetrou um solecismo. Não erraria se tivesse escrito assim:
“Faz hoje dez anos...”

Nesse livro do início da carreira literária de Machado, o romance A mão e a luva, de 1874, colhi este truísmo (verdade evidente) e o entreguei ao Agrippino Grieco:
“O post-scriptum da carta Iá estava no fim...”

Indago: qual é o post-scriptum que não fica no fim de uma carta? Só não fica o do Pafúncio Fredegundo Brederodes Encerrabodes...

Examinemos o seguinte trecho na segunda edição do romance Esaú e Jacó, lançada pela Garnier:
"Crede-me, amigo meu, e tu, não menos amiga minha, crede-me...”
Na primeira oração da frase – “Crede-me, amigo meu” – o sujeito é o pronome vós, e na segunda oração – “e tu, não menos amiga minha, crede-me...” – o sujeito é tu. Observem, Machado de Assis misturou na mesma frase os dois tratamentos, pois crede imperativo, e credes, quinta pessoa do presente do indicativo, são formas verbais da segunda pessoa do plural vós.

Mais tarde, após analisar este erro do autor de Quincas Borba, verifiquei que José Cunha Lima o registrou no seu livro Revisão de Machado Assis, publicado no Rio de Janeiro, em 1973, pela Companhia Editora Americana.

Do cacófato, outro vício de linguagem (encontro das sílabas de uma palavra com a inicial de segunda palavra, formando um vocábulo ou uma expressão diferente), do cacófato também foi vítima o nosso notável Machado de Assis. 

Leia, amigo leitor, e por favor não core de vergonha, esta frase do romance Helena:
"...eu sei o que ele me há custado."
Perdoem-me agora o didatismo. São estes os algarismos arábicos, os sinais de origem indiana usados para a escrita dos números: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 0. 
Daí concluímos que o nosso Machado de Assis se equivocou ao classificar o número 13 como algarismo, nas Memórias póstumas de Brás Cubas. Nessa obra publicada em 1881 – romance inaugural do realismo brasileiro – um antepassado de Brás Cubas, o senhor Luís Cubas, é avó no capítulo XII e se transforma em bisavô no capítulo XLVI...

Os únicos que não erram são os mortos, porque não podem parir as besteiras dos vivos. Talvez, devido a isto, milhões de defuntos não querem ressuscitar... Enquanto viveu, Machado de Assis também errou, como todos nós. Produziu erros gramaticais e de outras naturezas. 
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*Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor do livro "Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido", cuja 6ª edição foi lançada pela Editora Novo Século.

Leia mais em: www.fernandojorge.com

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